quarta-feira, 10 de julho de 2019

MARCOS 4

MARCOS 4

O capítulo anterior termina com a solene declaração do Senhor de que as relações que Ele agora reconheceria eram aquelas que tinham uma base espiritual em obediência à vontade de Deus. Esta Sua declaração deve necessariamente ter levantado nas mentes dos discípulos algumas perguntas sobre como eles poderiam saber qual é a vontade de Deus. Quando abrimos este capítulo, encontramos a resposta. É pela Sua Palavra, que nos transmite as boas-novas do que Ele é e do que Ele fez por nós. Sua vontade emana para nós desses dois fatos.
Ainda havia grandes multidões que iam ter com Ele, de modo que os ensinou de um barco; mas foi a partir desse momento que Ele começou a falar em parábolas. A razão para isso é dada nos versículos 11 e 12. Os líderes do povo já O haviam rejeitado, como o capítulo anterior tornou manifesto, e o próprio povo estava, em grande parte, insensível, exceto pela curiosidade e o interesse pelo sensacionalismo, e pelos “pães e peixes”. Conforme o tempo passava, eles se afastavam e apoiavam os líderes em sua hostilidade homicida. O Senhor sabia disso, por isso começou a divulgar o Seu ensino de tal forma que seria restrito apenas para aqueles que tinham ouvidos para ouvir. Ele fala no versículo 11 de “aos que estão de fora”.
Isso mostra que uma ruptura já estava se manifestando, e aqueles “de dentro” podiam ser distinguidos daqueles “de fora”. Aqueles que estão dentro podem ver e ouvir com percepção e entendimento, e assim o “mistério” ou “segredo” do reino de Deus tornou-se claro para eles. Os demais eram cegos e surdos, e o caminho da conversão e do perdão estava sendo fechado para eles. Se as pessoas não ouvirem, chega um momento em que elas não poderão mais ouvir. O povo queria um Messias que lhes trouxesse prosperidade e glória no mundo. Eles não tinham utilidade, como os eventos comprovaram, para um Messias que lhes trouxesse o reino de Deus na forma misteriosa de conversão e perdão de pecados.
Temos o reino de Deus hoje apenas nessa forma misteriosa, e entramos nele pela conversão e perdão, pois é assim que a autoridade de Deus é estabelecida em nossos corações. Ainda estamos esperando o reino ser manifestado em sua glória e poder.
A primeira parábola deste capítulo é a do semeador, semente e seus efeitos. Tendo-a proferido, Ele a terminou com palavras solenes: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. A posse de ouvidos que ouvem, ou sua falta, indicaria, de pronto, se um homem pertencia aos “de dentro” ou aos “de fora”. A massa de Seus ouvintes, evidentemente, achava que era uma história bonita e agradável ao ouvido, mas se considerada assim, mostravam que eles eram os “de fora”. Alguns outros, juntamente com os discípulos, não se contentavam com isso. Eles queriam chegar ao seu significado interior e aprofundaram suas investigações. Eles pertenciam aos “de dentro”.
A palavra do Senhor no versículo 13 mostra que essa parábola do semeador precisa ser entendida ou não entenderemos Suas outras parábolas. Ela contém a chave que desbloqueia toda a série. O Senhor Jesus, quando veio, imediatamente trouxe um teste supremo a Israel. Receberiam o Bem-Amado Filho e dariam a Deus o fruto que Lhe era devido sob o cultivo da lei? Estava se tornando evidente que isso não aconteceria. Então uma segunda coisa deveria ser introduzida. Em vez de exigir qualquer coisa deles, Ele semearia a Palavra, que no devido tempo, pelo menos em alguns casos, produziria o fruto desejado. Isto é o que esta parábola indica, e a menos que entendamos seu significado, não entenderemos o que Ele tem a nos dizer na sequência.
O próprio Senhor era o Semeador, sem dúvida, e a Palavra era o testemunho divino que Ele disseminava, pois era a “tão grande salvação, a qual, começando a ser anunciada pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram” (Hb 2:3). No evangelho de João, descobrimos que Jesus é a Palavra. Aqui Ele semeia a Palavra. Quem poderia semear como Ele que era ela mesma? Mas mesmo quando Ele semeou a Palavra, nem todos os grãos que semeava frutificaram. Apenas um caso em quatro, produziu fruto.
Também é certo que a parábola aplica-se, em seus princípios, a todos aqueles subsemeadores que saíram com a Palavra conforme enviados por Ele, desde aquele dia até hoje. Todo semeador, portanto, deve esperar encontrar todas essas variedades de experiência, como indicado na parábola. Os servos imperfeitos de hoje não podem esperar coisas melhores do que aquelas que marcam a semeadura do Servo perfeito em Seus dias. A semente foi a mesma em cada caso. Toda a diferença estava no estado do solo no qual a semente caía.
No caso dos ouvintes à beira do caminho, a palavra não teve entrada alguma. Seus corações eram como o caminho bem pisado. Não houve nem mesmo uma impressão superficial, e Satanás, por seus muitos agentes, removeu completamente a palavra. O caso deles era de total indiferença.
Os ouvintes do solo pedregoso são as pessoas impressionáveis, mas superficiais. Eles logo respondem à palavra com alegria, mas são bastante insensíveis quanto às suas verdadeiras implicações. Foi dito dos verdadeiros convertidos que eles receberam “a palavra em muita tribulação, com gozo do Espírito Santo” (1 Ts 1:6). Essa tribulação, que precedeu a sua alegria, foi o resultado de serem despertados quanto ao seu pecado sob o poder convincente da palavra. O ouvinte do solo pedregoso salta por sobre a aflição, porque é insensível à sua real necessidade, e pousa numa alegria meramente superficial, que se desvanece na presença da provação; e ele desaparece com isso.
Os ouvintes do solo espinhoso são as pessoas preocupadas. O mundo preenche seus pensamentos. Se forem pobres, são inundados em seus cuidados: se ricos, em suas riquezas e nos prazeres que as riquezas trazem. Se nem pobre nem rico, há a cobiça de outras coisas. Eles saíram da pobreza e anseiam por mais coisas boas do mundo que parecem estar ao alcance deles. Absorvido pelo mundo, a palavra é sufocada.
Os ouvintes do solo bom são tais que não apenas ouvem a palavra, mas a recebem e produzem frutos. O solo está sob a ação do arado e da grade. Assim foi preparado. Mesmo assim, todo bom terreno não é igualmente fértil. Pode não haver a mesma quantidade de fruto; mas existe o fruto.
Houve grande instrução para os discípulos em tudo isso e também para nós. Em breve, Ele os enviaria a pregar, e então eles também se tornariam semeadores. Eles devem saber que era a palavra que tinham que semear e também o que esperar quando semeassem. Então eles não seriam indevidamente afetados quando grande parte da semente semeada se mostrassse perdida; ou quando, algum resultado aparecendo, desapareceu depois de um tempo; ou mesmo quando o fruto apareceu, não havia tanto fruto como eles esperavam. Se sabemos, por um lado, o que está sendo visado e, por outro, o que esperar, ficamos grandemente fortalecidos em nosso serviço.
Devemos lembrar que esta parábola se aplica tanto para a semeadura da semente da palavra nos corações dos santos como nos corações dos pecadores. Então, vamos meditar sobre isso com corações muito exercitados sobre como nós mesmos recebemos a palavra que temos ouvido, bem como a forma como os outros podem receber a palavra que lhes apresentamos.
Nos versículos 21 e 22, segue-se a breve parábola da candeia e, no versículo 23, outra palavra de advertência sobre ter ouvidos para ouvir. À primeira vista, a transição da semente semeada no campo para a candeia acesa em uma casa pode parecer incongruente e desconectada, mas, se é certo que temos ouvidos para ouvir, logo veremos que o significado espiritual de ambas as parábolas são congruentes e conectados. Quando a palavra de Deus é recebida em um coração exercitado e preparado, produz frutos que Deus aprecia e também luz que deve ser vista e apreciada pelos homens.
Nenhuma candeia é acesa para se esconder debaixo do alqueire[1] ou da cama. É para amplamente lançar seus feixes de luz desde o candelabro. A segunda parte do versículo 22 é bastante notável na tradução de J. N. Darby, “nem qualquer coisa secreta acontece, mas ela deve vir à luz”. A obra de Deus no coração pela Sua palavra ocorre secretamente, e o olho de Deus discerne o fruto quando ele começa a aparecer. Mas na época certa, a coisa secreta que aconteceu deve vir à luz. Toda conversão verdadeira é como a iluminação de uma nova candeia.
O alqueire talvez simbolize as ocupações da vida, e a cama, a tranquilidade e o prazer da vida. Não deve ser permitido que a luz seja ocultada, assim como não deve ser permitido que os cuidados, as riquezas e as “outras coisas” sufoquem a semente que é semeada. Temos ouvidos para ouvir isso? Estamos deixando a luz da nossa pequena candeia brilhar? Não há nada oculto que não seja manifesto; por isso é certo que, se uma luz foi acesa, está destinada a brilhar. Se nada é manifestado, é porque não há nada para se manifestar.
Esta parábola é seguida pela advertência sobre o que ouvimos. As relações de Deus em Seu governo com os homens entram neste assunto. Conforme medimos as coisas, as coisas serão medidas para nós. Se realmente ouvirmos a palavra de modo a tomar posse dela, ganharemos mais. Se não o fizermos, começaremos a perder até mesmo o que temos. Em Lucas 8:18, recebemos instruções similares relacionadas a “como” ouvimos. Aqui elas estão conectadas com “o que” ouvimos.
Como ouvimos é enfatizado na parábola do semeador, mas o que ouvimos é pelo menos de igual importância. De não poucos foi tirado o que tinham, por terem emprestado os seus ouvidos ao erro. Eles ouviram e ouviram muito atentamente, mas, infelizmente, o que ouviram não era a verdade, e isso os perverteu. Se por nossos ouvidos o erro é semeado em nossos corações, isso trará sua desastrosa colheita, e o governo de Deus permitirá isto, e não o impedirá.
Os versículos 26 a 29 estão ocupados com a parábola a respeito da obra secreta de Deus. Um homem semeia a semente e, quando o fruto está maduro, ele volta a trabalhar, colocando a foice para colher. Mas quanto ao crescimento real da semente desde os seus primeiros estágios até o pleno amadurecimento, ele não pode fazer nada. Por muitas semanas ele dorme e se levanta noite e dia, e os processos da natureza, que Deus ordenou, fazem silenciosamente o trabalho, embora ele não os entenda. “Não sabendo ele como”, é verdade hoje. Os homens têm levado suas investigações muito longe, mas o verdadeiro modo dos maravilhosos processos, levados adiante na grande oficina da natureza de Deus, ainda lhes escapam.
E assim acontece no que podemos chamar de oficina espiritual de Deus, e é bom que nos lembrarmos disso. Alguns de nós somos muito ansiosos para analisar e descrever os processos exatos do trabalho do Espírito nas almas. Essas coisas ocultas às vezes exercem um grande fascínio sobre nossas mentes e desejamos dominar todo o processo. Isso não pode ser feito. É nosso feliz privilégio semear a semente e também, no devido tempo, colocar a foice e ceifar. O funcionamento da palavra nos corações dos homens é secretamente realizado pelo Espírito Santo. Seu trabalho, sem dúvida, é perfeito.
A imperfeição sempre marca o trabalho dos homens. Se permitido, como somos, a ter uma mão na obra de Deus, trazemos a imperfeição para aquilo que fazemos. A próxima parábola, ocupando os versículos 30 a 32, mostra isso. O reino de Deus hoje existe vital e realmente nas almas daqueles que pela conversão vieram sob a autoridade e controle de Deus. Mas também pode ser visto como uma coisa mais exterior, a ser encontrada onde quer que os homens professem reconhecê-Lo. Um é o reino estabelecido pelo Espírito. O outro, o reino estabelecido pelos homens. Este último se tornou uma coisa grande e imponente na Terra, estendendo sua proteção a muitas “aves do céus”; o que elas significam acabamos de ver – nos versículos 4 e 15 – os agentes de Satanás.
Essa última parábola da série estava cheia de advertência para os discípulos, assim como as outras estavam cheias de instrução. Eles estavam com Ele sendo instruídos antes de serem enviados em sua missão. Vimos pelo menos sete coisas:

1. Que a presente obra do discípulo é, em sua natureza, semear.
2. Que o que deve ser semeado é a palavra.
3. Que os resultados da semeadura são classificados em quatro grupos; em apenas um caso há frutos e em graus variados.
4. Que a palavra produz tanto luz quanto fruto, e que a luz deve ser manifesta publicamente.
5. Que o discípulo é ele próprio um ouvinte da palavra, bem como um semeador da palavra, e, nesse contexto, deve tomar cuidado com o que ouve.
6. Que o trabalho da palavra nas almas é obra de Deus e não nosso. Nosso trabalho é a semeadura e a colheita.
7. Que, como o trabalho do homem entra para a  presente obra de estender o reino de Deus, o mal vai encontrar uma entrada. O reino, visto como obra do homem, vai resultar em algo imponente, porém corrupto. Esta é a solene advertência que devemos ter no coração.

Houve muitas outras parábolas faladas pelo Senhor, mas que não foram registradas para nós. As outras, faladas e explicadas  asire...amvaaos discípulos, eram, sem dúvida, muito importantes para eles em suas circunstâncias peculiares, mas não da mesma importância para nós. Aquelas que eram importantes para nós estão registradas em Mateus 13.
Com o versículo 34 Seus ensinamentos terminam e do versículo 35 até ao final de Marcos 5 retomamos o relato de Seus maravilhosos atos. Os discípulos precisavam observar de perto o que Ele fazia e o modo como agia, bem como ouvir os ensinamentos de Seus lábios. E nós também precisamos.
A multidão, que ouviu essas palavras, mas sem entendê-las, foi dispensada e eles atravessaram para o outro lado do lago. Era noite e Ele estava na popa, dormindo sobre uma almofada. O lago se mostrou com súbita e violenta tempestade que o agitava, e um perigo especial surgiu, ameaçando afundar o barco. Satanás é “o príncipe das potestades do ar” e, portanto, acreditamos que seu poder está por trás das forças da natureza. Imediatamente, portanto, os discípulos foram confrontados com uma prova e um desafio. Quem era essa Pessoa que dormia na popa?
Poderia Satanás manejar as forças da natureza de tal maneira a afundar um barco no qual repousava o Filho de Deus? Mas o Filho de Deus é encontrado em Humanidade e Ele dorme! Bem, o que isso importa? – visto que Ele é o Filho de Deus. A ação do adversário, levantando a tempestade enquanto Ele dormia, foi de fato um desafio. Até agora, porém, os discípulos perceberam essas coisas muito vagamente, se é que perceberam. Então ficaram cheios de temor quando os recursos de suas habilidades marítimas foram exauridos; eles O despertaram com um clamor incrédulo, que lançou uma ofensa sobre Sua bondade e amor, embora mostrando alguma fé em Seu poder.
Ele surgiu imediatamente na majestade de Seu poder. Ele repreendeu o vento, que era o instrumento mais direto de Satanás. Ele disse ao mar para ficar quieto e imóvel, e ele obedeceu. Como um cão barulhento que se deita humildemente à voz de seu dono, assim o mar se deitou a Seus pés. Ele era o Mestre pleno da situação.
Tendo assim repreendido as forças da natureza e o poder que estava por trás delas, Ele Se voltou para administrar uma gentil repreensão a Seus discípulos. Fé é visão espiritual, e até agora seus olhos dificilmente estavam abertos para discernir Quem Ele era. Se eles tivessem percebido um pouco de Sua própria glória, não teriam sido tão temerosos. E tendo testemunhado esta demonstração de Seu poder, eles ainda estavam temerosos, e ainda questionavam sobre que tipo de Homem era Ele. Um Homem que pode comandar ventos e mar, e eles fazem Sua vontade, obviamente não é um Homem comum. Mas Quem é Ele? – essa é a questão.
Nenhum discípulo poderia sair para servi-Lo até que essa pergunta fosse respondida e completamente estabelecida em sua alma. Por isso, antes de enviá-los, deve haver mais manifestações de Seu poder e graça diante de seus olhos, como registrado para nós no capítulo 5.
Em nossos dias, devemos também estar plenamente seguros de Quem é Ele, antes de tentarmos servi-Lo. A pergunta: “Quem é Este?” é muito insistente. Até que possamos responder com muita precisão e clareza, devemos nos aquietar.



[1] N. do T.: Alqueire (do árabe al kayl) designava originalmente uma das bolsas ou cestas de carga que se colocavam, atadas, sobre o dorso e pendente para ambos os lados dos animais usados para transporte de carga.

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