quarta-feira, 17 de julho de 2019

MARCOS 14

MARCOS 14

À medida que abrimos este capítulo, voltamos aos detalhes históricos e alcançamos os momentos finais da vida de nosso Senhor. Os versículos 1 a 11 nos fornecem uma introdução muito marcante às últimas cenas. Nos versículos 1 e 2, o ódio astuto se eleva ao seu clímax. Nos versículos 10 e 11, a exposição suprema da cruel traição é brevemente registrada. Os versículos entre esses, contam uma história de amor devotado por parte de uma mulher sem destaque – a beleza do relato é reforçada por estar essa história entre o registro de um ódio tal e uma traição tal.
O ódio dos principais sacerdotes e escribas era igualado por sua astúcia, assim eram apenas ferramentas nas mãos de Satanás. Eles disseram: “Não na festa”, ainda assim foi na festa: e novamente: “Para que não haja tumulto entre o povo” (ARA), ainda assim houve tumulto entre povo. Apenas que era em seu favor e contra o Cristo de Deus. Eles pouco sabiam o poder do diabo a quem eles se venderam.
A mulher de Betânia – Maria, como sabemos de João 12 – pode não ter entendido completamente a importância e o valor de seu ato. Ela foi movida provavelmente por instinto espiritual, percebendo o ódio homicida que estava cercando a Pessoa que ela amava. Ela trouxe seu unguento muito precioso e o derramou sobre Ele. Sua ação foi mal interpretada por “alguns” – Mateus nos diz que estes eram discípulos, e João acrescenta que Judas, o traidor, foi o criador da censura – que estava pensando no dinheiro e nos pobres, particularmente no primeiro. O Senhor a defendeu e isso foi o suficiente. Ele aceitou o ato dela e valorizou conforme o Seu entendimento de seu significado e não de acordo com a inteligência dela, mesmo que ela fosse, como supomos, a mais inteligente dentre os discípulos. Podemos ver nisso uma doce previsão da maneira graciosa em que Ele irá rever os atos de Seus santos no tribunal de Cristo.
Seu veredicto foi: “Ela fez o que pôde”, o que foi um grande elogio. Além disso, Ele ordenou que o ato dela fosse contado para sua memoria onde quer que o evangelho fosse pregado. Seu nome é conhecido e seu ato lembrado por milhões nos dezenove séculos seguintes – com toda a honra, assim como também Judas é conhecido pela desonra, e seu nome tornou-se sinônimo de baixeza e traição.
Esses versículos iniciais nos mostram que, à medida que o momento de crise se aproximava, todos, à luz, manifestavam o que realmente eram. O ódio e a traição dos adversários tornaram-se mais negros: o amor da verdade foi aceso, embora nenhum tenha expressado isso como Maria de Betânia. No versículo 12, porém, passamos à preparação para a última ceia, durante a qual o Senhor deu um testemunho muito mais impressionante da força de Seu amor pelos Seus. Houve algum testemunho do amor deles por Ele, mas não foi nada na presença de Seu amor por eles.
O Senhor Jesus não tinha lar próprio, mas Ele bem sabia como colocar Sua mão em tudo o que era necessário para o serviço de Deus. O dono do aposento era, sem dúvida, alguém que O conhecia e O reverenciava. Os discípulos conheciam a suficiência de seu Mestre. Eles não tentaram nada por sua própria iniciativa, mas simplesmente olharam para Ele procurando direção e agiram sobre ela. Por isso, aqu’Ele que não tinha onde reclinar a cabeça não tinha falta de acomodação adequada para o último encontro com os Seus.
Por muitos séculos a Páscoa foi celebrada, e aqueles que a comeram sabiam que ela comemorava a libertação de Israel do Egito; poucos, se é que algum, perceberam que ela aguardava a morte do Messias. Agora, pela última vez, ela deveria ser comida antes de ter seu cumprimento. Não sabemos o que encheu a mente dos discípulos, mas evidentemente a mente do Senhor estava centrada em Sua morte, e a ela Ele direcionou os pensamentos deles ao anunciar que Seu traidor estava entre eles, e que um “ai” repousou sobre ele. Então instituiu Sua própria ceia.
Brevidade caracteriza toda a narrativa de Marcos, mas em nenhum outro lugar é mais pronunciada do que em seu relato da instituição da ceia. O essencial, no entanto, está todo aqui: o pão e seu significado, o cálice e seu significado e aplicação, o que faz com que seja designado por Paulo “o cálice de bênção que abençoamos”. Para o próprio Senhor o fruto da videira, e o que simbolizava – o gozo terreno – era todo passado: não mais o tomaria até que no reino de Deus Ele o experimentasse de uma maneira inteiramente nova. Todas as esperanças e gozos terrenos sob a base antiga foram fechados para Ele.
A lição que temos que aprender está de acordo com esse fato. Deus pode, em Suas providências graciosas, permitir que desfrutemos na Terra muitas coisas felizes e agradáveis, mas todos os nossos apropriados gozos como Cristãos não são de uma ordem terrena, mas de uma celestial.
Do cenáculo, onde Ele havia instituído Sua ceia, o Senhor levou Seus discípulos ao Getsêmani. Um hino ou salmo foi cantado – Salmos 115-118 sendo a porção usual, é dito. Foi para os discípulos apenas o costumeiro, sem dúvida; mas o que deve ter sido para o Senhor cantar, enquanto Ele saia para cumprir a figura de Páscoa, tornando-Se o sacrifício? E o Salmo 118, no final, fala: “Ata a vítima [o sacrifício – JND] com cordas até os chifres [as pontas – ARA] do altar”. Ele foi ao sofrimento e morte, atado pelas cordas do Seu amor; e os discípulos ao fracasso, derrota e dispersão.
Ele os avisou sobre o que estava diante deles, citando a profecia de Zacarias, que anunciava o Pastor de Jeová ser ferido e a dispersão das ovelhas. Mas o profeta passou a dizer, “voltarei a Minha mão para os pequeninos” (Zc 13:7 – TB), e isso corresponde ao versículo 28 do nosso capítulo. Aqueles que eram Suas ovelhas nacionalmente foram espalhados, mas os “pequeninos”, em outra parte chamados por Zacarias de “os pobres do rebanho”, foram reunidos em uma nova base, quando o Pastor ressuscitou dos mortos. Por isso, Ele não os encontraria em Jerusalém, mas na Galileia.
Pedro, cheio de confiança própria, afirmou que não iria tropeçar, embora todos os outros pudesse fazê-lo, e isso diante da mais explícita declaração do Senhor, predizendo sua queda. Os outros não queriam ser superados por Pedro e, portanto, comprometeram-se com uma afirmação semelhante. O que transparecia nisso era a rivalidade profana que existia entre eles, de quem seria o maior. Marcos faz este manifesto com uma clareza especial, como pode ser visto se compararmos com Marcos 9:33-34; Marcos 10:35-37 e 41. Pedro sem dúvida sentiu que agora tinha chegado a oportunidade em que poderia demonstrar, de uma vez por todas, que ele estava muito acima do resto. E o resto não estava disposto a deixá-lo se destacar adiante; eles tiveram que acompanhá-lo. A queda de Pedro parecia vir muito de repente, mas tudo isso nos mostra que as raízes ocultas dela remontam a um longo caminho ao passado.
As palavras ousadas de Pedro logo seriam provadas, e em primeiro lugar no Getsêmani, que foi alcançado imediatamente depois. Foi solicitado a ele e seus dois companheiros que vigiassem apenas por uma hora. Isso eles não podiam fazer; embora somente para Pedro, que tinha sido particularmente orgulhoso, o Senhor dirigiu a Suas gentis palavras de protesto, usando seu antigo nome de Simão. Isso era apropriado, pois, naquele momento, ele não estava sendo fiel ao seu novo nome, mas exibia as características da velha natureza que ainda estava nele. O Mestre deles estava tomado de “pavor” e “angústia” e “profundamente triste até a morte”, e mesmo assim eles dormiram, não apenas uma vez, mas três vezes.
No entanto, contrastando com o fundo escuro do fracasso deles, a perfeição de seu Mestre apenas brilhou mais intensamente. A realidade de Sua Humanidade vem diante de nós de maneira muito admirável nos versículos 33 e 34, assim como a perfeição dela. Sendo Deus, Ele conheceu em plenitude infinita tudo o que estaria envolvido em morrer como o Emissário do pecado. Sendo perfeito Homem, Ele possuía toda a sensibilidade humana imaculada – a nossa sensibilidade foi debilitada pelo pecado, mas n’Ele não havia pecado. Por isso, sentiu tudo em infinita medida e desejou fervorosamente que a hora passasse d’Ele. E mais uma vez, tomando o lugar do Servo, Ele era perfeito em Sua devoção à vontade do Pai, e assim, embora desejando que o cálice pudesse ser tirado d’Ele, acrescentou: “não seja, porém, o que Eu quero, mas o que Tu queres”.
Podemos resumir tudo isso dizendo que, sendo Deus perfeito, Ele tinha infinita capacidade de conhecer e sentir tudo o que a aproximação da hora da morte significava para Ele. Como Homem perfeito, Ele entrou completamente na tristeza daquela hora e não pôde fazer outra coisa senão orar para que aquele cálice Lhe fosse tirado. Como Servo perfeito, Ele Se apresentou ao sacrifício em total sujeição à vontade de Seu Pai.
Três vezes nosso Senhor assim comungou com Seu Pai, e então Ele voltou para enfrentar o traidor com seu bando de homens pecadores. Podemos lembrar que três vezes Ele foi tentado por Satanás no deserto no início, e parece certo, embora não mencionado aqui, que o poder de Satanás também estava presente no Getsêmani, porque quando saía do cenáculo Ele disse: “se aproxima o príncipe deste mundo, e nada tem em Mim” (Jo 14:30). Isso também ajuda a explicar a extraordinária sonolência dos discípulos. O poder das trevas era grande demais para eles, como sempre é para nós, exceto se formos ativamente apoiados pelo poder Divino. Notemos que o poder de Satanás não apenas desperta os crentes para atividades ilícitas. Por vezes, simplesmente coloca-os para dormir.
Ao dizer a Pedro: “O espírito, na verdade, está pronto [disposto – JND], o Senhor evidentemente admitia que havia em Seus discípulos aquilo que Ele podia apreciar e reconhecer. No entanto, “a carne é fraca”, e Satanás, naquele exato momento estava terrivelmente ativo, de modo que nada além de vigilância e oração teriam enfrentado a situação. Deixemos que a palavra entre profundamente em nós mesmos. À medida que o fim dos tempos se aproxima, as atividades de Satanás devem tornar-se maiores e não menores, e precisamos estar despertos com todas faculdades espirituais em alerta, e também sermos cheios do espírito de dependência em oração a Deus.
Versículos 42-52, ocupa-nos com a Sua prisão pela multidão enviada pelos chefes dos sacerdotes sob a liderança de Judas. Claramente eles não eram soldados romanos, mas servos do templo e das classes dominantes entre os judeus. Que história é essa! A multidão com sua violência, expressa em suas espadas e bastões: Judas com a mais vil traição, traindo o Senhor com um beijo: Pedro surgindo para a ação súbita e carnal: todos os discípulos O abandonando e fugindo: um jovem anônimo tentando seguir, mas terminando apenas em fuga com vergonha adicionada ao seu pânico – violência, traição, atividade falsa e equivocada, medo e vergonha. Mais uma vez dizemos: Que história! E tais somos nós quando confrontados com o poder das trevas e fora da comunhão com Deus.
Quanto a Pedro, esse era o terceiro passo em seu caminho descendente. Primeiro foi seu envolvimento na destrutiva competição pelo primeiro lugar entre os discípulos, que resultou em confiança e afirmação próprias. Em segundo lugar, a falta de vigilância e oração, que o levou a dormir quando deveria ter estado acordado. Em terceiro lugar, sua ira e violência carnais, seguidas por uma desprezível ação. O quarto passo, que trouxe as coisas ao clímax, temos no final do capítulo.
Quanto ao Senhor Jesus, tudo era tranquilidade em perfeita submissão à vontade de Deus, conforme expresso nas Escrituras proféticas. Sua luz brilhava como sempre sem o menor tremeluzir.

“Fiel em meio à infidelidade,
A única Luz em meio às trevas”

Os versículos 53-65 resumem para nós os procedimentos perante as autoridades religiosas judaicas. Todos foram reunidos para sentarem-se em juízo contra Ele, e isso, no que concerne a eles, não foi feito em um canto. Isso mostra de forma impressionante que profundidade de sentimento foi despertada. Um conselho lotado, e foi na calada da noite! O fogo queimava no pátio, e nos é permitido ver Pedro se rastejando entre os inimigos de seu Senhor por causa de um pouco de calor.
Não houve pensamento de um julgamento imparcial. Seus juízes estavam desavergonhadamente procurando testemunhas que lhes permitissem pronunciar sobre Ele a sentença de morte. No entanto, o poder de Deus estava em ação nos bastidores, e todas as tentativas de incriminá-Lo com as forjadas acusações não deram em nada. Muitos esforços foram feitos; uma amostra deles nos é dada no versículo 58 e reconhecemos uma distorção feita sobre Sua declaração que está registrada em João 2:19. Acusação após acusação era derramada pelos falsos acusadores que caíram em confusão e se  contrariaram uns aos outros. Parece que Deus envolveu suas mentes normalmente agudas em uma névoa de confusão.
Impulsionado pelo desespero, o sumo sacerdote levantou-se para examiná-Lo, mas à sua primeira pergunta, Jesus não respondeu nada – evidentemente pelo suficiente motivo de que ainda não havia nada a responder. Quando questionado se Ele era o Cristo, o Filho de Deus, Ele imediatamente respondeu, dizendo: “Eu o Sou”. Exatidão não faltava tanto na pergunta quanto na resposta. Ali estava o Cristo, o Filho de Deus, pela Sua própria clara confissão; e não apenas isso, mas Ele afirmou que, como Filho do Homem, Ele teria todo o poder em Suas mãos e que Ele viria novamente em glória do céu. Sob essa confissão Ele foi condenado à morte.
O profeta Miquéias havia previsto que o “Juiz de Israel” seria feito sujeito ao julgamento humano. Isso aconteceu: no entanto, é mais impressionante que, quando o grande Juiz foi levado ao julgamento humano, todas as tentativas de condená-Lo pelos depoimentos humanos falharam: todas as testemunhas humanas caíram em confusão. Eles O condenaram com base no testemunho Ele deu de Si mesmo; e, ao fazê-lo, eles mesmos violaram a lei. Estava escrito: “o sumo sacerdote entre seus irmãos ... não rasgará os seus vestidos” (Lv 21:10). Isto o sumo sacerdote ignorou; tão agitado que estava na presença de sua Vítima; tão tomado de raiva e ódio.
A tempestade de ódio explodiu contra o Senhor assim que descobriram um pretexto para condená-Lo; mas em suas bofetadas e cuspidas eles estavam cumprindo inconscientemente as Escrituras. O julgamento fictício diante do Sinédrio terminou em cenas de desordem, assim como a confusão havia sido estampada em seus procedimentos anteriores – a confusão tornava o mais evidente por Sua presença serena no meio deles. A única palavra que Ele proferiu, no relato de Marcos, é registrada no versículo 62.
Os versículos 66-72 nos dão num parêntese o clímax do fracasso de Pedro: já vimos os primeiros passos que o levaram a isso. Ele agora estava aquecendo-se na companhia daqueles que serviram os adversários de seu Senhor, e três vezes ele O negou. Satanás estava por trás da prova, como Lucas 22:31 nos mostra, e isso explica a maneira hábil com que as observações dos diferentes servos o levaram a um canto. O primeiro afirmou que ele estava “com” Jesus. O segundo que ele era “um deles” (ARA), significando evidentemente um dos Seus discípulos. O terceiro reafirmou isto, e alegou que ele tinha uma prova disso em sua forma de falar, e este aparentemente era parente de Malco, cuja orelha Pedro cortara, como João registra.
Quando Pedro viu a rede de evidências com suas finas malhas se misturando ao seu redor, suas negativas tornaram-se mais violentas: primeiro, uma pretensão que ele não sabia o se dizia; segundo, uma negação plana; terceiro, uma confissão de que ele nem conhecia o Senhor, acompanhada de maldições e juramentos. Eles não estavam dispostos a aceitar seus protestos de “infidelidade”, mas eles devem ter sido convencidos pelas tristes “obras” que ele produziu, de que para ele, Jesus era bastante desconhecido. Temos que contemplar a advertência com a qual Pedro nos fornece e olhar para ela vendo que temos que se expressa em obras apropriadas.

Mas se Satanás estava trabalhando com Pedro, assim também estava o Senhor, de acordo com Lucas 22:32. Ele havia orado por ele, e Sua ação trouxe de volta à mente febril de Pedro as próprias palavras de advertência que Ele havia proferido. A recordação delas feriu sua consciência e levou-o às lágrimas; e nesse trabalho em seu coração e consciência estava o começo de sua recuperação. Quando é permitido qualquer santo assim falhar, de maneira que seu pecado se torna público e um escândalo, podemos estar certos de que isso tem raízes ocultas que remontam ao passado. Podemos ter certeza também de que a jornada de volta à recuperação completa não é tomada de imediato.

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