quarta-feira, 17 de julho de 2019

MARCOS 15

MARCOS 15

O primeiro versículo deste capítulo retoma o assunto do capítulo 14:65. Os romanos haviam tirado dos judeus o poder de decidir sobre a pena de morte e ela foi investida inteiramente no representante de César, por isso os líderes religiosos sabiam que deveriam apresentá-Lo diante de Pilatos e exigir dele a sentença de morte baseada em algo que lhe parecesse adequado. O versículo 3 nos diz que eles “O acusavam de muitas coisas”, mas não nos é dito por Marcos que coisas eram essas. Ficamos impressionados, no entanto, pela forma como uma frase ocorre repetidas vezes na primeira parte do capítulo – “O Rei dos Judeus” (vs. 2, 9, 12, 18, 26). Lucas nos diz definitivamente que eles disseram que Ele estava “proibindo dar o tributo a César, e dizendo que Ele mesmo é Cristo, o Rei” (Lc 23:2). Deduzimos isso do breve relato de Marcos, embora ele não o afirme.
Mais uma vez, diante de Pilatos, o Senhor confessou Quem Ele era. Desafiado ser o rei dos judeus, ele simplesmente respondeu: “Tu o dizes”, o equivalente a “sim”. Quanto ao resto, Ele novamente não respondeu nada, porque em todas as ferozes acusações dos principais sacerdotes não havia nada a se responder. É digno de nota que Marcos registra apenas duas declarações de nosso Senhor perante Seus juízes. Diante da hierarquia judaica, Ele confessou ser o Cristo, o Filho de Deus e o Filho do Homem: perante o governador romano, Ele confessou ser o Rei dos judeus. Nenhuma testemunha prevaleceu contra Ele; Ele foi condenado por causa de Quem Ele era e não podia negar a Si mesmo.
Além disso, Pilatos tinha conhecimento suficiente para discernir o que era a raiz de todas as acusações, “ele bem sabia que por inveja os principais dos sacerdotes O tinham entregado”. Isto levou à sua tentativa ineficaz de desviar para Jesus os pensamentos da multidão, quando se tratava da questão do prisioneiro a ser libertado. A influência dos sacerdotes com o povo era demais para ele e, portanto, desejoso de agradar a multidão, Pilatos violou o senso de justiça que tinha. Ele libertou o rebelde e homicida Barrabás, e açoitando Jesus, entregou-O para ser crucificado.
A voz do povo prevaleceu sobre o melhor julgamento do representante de César: em outras palavras, a autocracia abdicou em favor da democracia e o voto popular a determinou. Um antigo provérbio latino afirma que a voz do povo é a voz de Deus. Os fatos da crucificação negam categoricamente esse provérbio. Aqui a voz do povo era a voz do diabo.
Os versículos 16-32 nos dão, de maneira muito detalhada, as terríveis circunstâncias que cercam a crucificação. Todas as classes combinadas contra o Senhor. Pilatos já O havia açoitado. Os soldados romanos escarneciam d’Ele de formas cruéis e desdenhosas. As pessoas comuns – os que passavam – protestavam contra Ele. Os sacerdotes zombavam d’Ele com sarcasmo. Os dois ladrões crucificados – representantes das classes criminosas, a própria escória da humanidade – insultaram-No. Nobres e símplices, judeus e gentios, estavam todos envolvidos. No entanto, em consequência, todos estavam ajudando a cumprir as Escrituras, embora, sem dúvida, inconscientemente em si mesmos.
Isto é particularmente notável se tomarmos o caso dos soldados romanos – homens que desconheciam a existência das Escrituras. O versículo 28 toma nota de que a crucificação dos ladrões de ambos os lados era um cumprimento de Isaías 53:12, mas muitas outras coisas que eles fizeram também cumpriram a Palavra. Por exemplo, Seu semblante deveria estar “tão desfigurado, mais do que o de outro qualquer” conforme Isaías 52:14, e havia um cumprimento disso na coroa de espinhos e nos ferimentos. O Juiz de Israel deveria ser ferido “com a vara na face”, de acordo com Miquéias 5:1 – ACR; isso os soldados fizeram, como mostra o versículo 19 de nosso capítulo. O versículo 24 registra o cumprimento por eles do Salmo 22:18. “deram-Me fel ... e ... vinagre” diz o Salmo 69:21, e isto também os soldados fizeram, embora o cumprimento não esteja registrado aqui, mas em Mateus. Achamos que estamos corretos em dizer que pelo menos 24 profecias foram cumpridas no dia de 24 horas em que Jesus morreu.
Todos os homens nessa hora estavam se exibindo em sua tonalidade mais tenebrosa, e nestes versículos não lemos de nada que Ele tenha dito. Foi exatamente como o profeta disse: “como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, Ele não abriu a Sua boca”. Era a hora do homem e o poder das trevas estava no auge. A perfeição do santo Servo do Senhor é vista em Seu sofrimento em silêncio em tudo aquilo que Ele suportou das mãos dos homens.
Aquilo que o Senhor Jesus sofreu nas mãos dos homens foi muito grande, mas cai em comparativa insignificância quando nos voltamos para considerar o que Ele suportou nas mãos de Deus como a Vítima, quando foi feito pecado por nós. No entanto, todo esse assunto muito maior é comprimido por Marcos em dois versículos – 33 e 34; enquanto seu relato do assunto menor abrange 52 versículos (Mc 14:53-15:32). Evidentemente o fato é que o assunto menor poderia ser descrito, enquanto que o maior não poderia ser. As trevas que desceram ao meio-dia esconderam dos olhos dos homens até aquilo que era externo àquela cena.
Tudo o que pode ser relacionado historicamente é que por três horas Deus colocou o silêncio da noite sobre a Terra e assim cegou os olhos dos homens, e que no final das horas Jesus proferiu o brado de angústia, que havia sido escrito como profecia mil anos antes, no Salmo 22:1. O santo Emissário do pecado foi abandonado, pois Deus deve julgar o pecado e bani-lo irrevogavelmente da Sua presença. Esse banimento total e eterno nós merecíamos, e que vai cair sobre todos os que morrem em seus pecados. Ele suportou isso por completo, mas como Ele possuía a santidade, a eternidade, a infinidade da Deidade plena, Ele poderia emergir dela no final das três horas. No entanto, o brado que veio de Seus lábios como Ele o fez, mostrou que Ele sentiu o total horror disso. E Ele tinha a capacidade de sentir que isso era infinito.
Aquilo que Ele sofreu nas mãos dos homens não deve ser considerado levianamente. Hebreus 12:2 diz: “O Qual ... suportou a cruz, desprezando a afronta [vergonha – JND], mas devemos notar a diferença entre a vergonha e o sofrimento. Muitos homens de grande coragem física sentiriam mais vergonha do que sofrimento. Ele sentiu o sofrimento, mas desprezou a vergonha, na medida em que estava infinitamente acima dela, e sabia que Ele era “glorificado perante o Senhor” (Isaías 49:5 – ARA). Cremos que podemos dizer que Ele nunca foi mais glorioso aos olhos do Senhor do que quando estava sofrendo sob o julgamento de Deus como o Emissário do pecado. Tal era o paradoxo[1] da santidade e amor divinos!
O efeito desse clamor sobre os espectadores nos é dado nos versículos 35 e 36. Eles dificilmente teriam visto uma referência a Elias em Suas palavras se não fossem judeus: mas, então, quão absurdo e ignorante não ter reconhecido o clamor a Deus que estava entesourado em suas próprias Escrituras.
A realidade do fato de Sua morte é dada por Marcos da maneira mais breve possível. Ele expirou Seu espírito nas mãos de Deus, logo após ter clamado em alta voz. O que Ele disse está registrado em Lucas e João. Aqui nos é dito simplesmente o modo como Ele disse isto. Não houve gradual diminuição de força, de modo que Suas últimas palavras fossem um débil sussurro. Em um momento uma grande voz e no momento seguinte Ele estava morto! Sua morte foi tão manifestamente sobrenatural que impressionou grandemente o centurião que estava de plantão e vigiando. O que quer que tenha sido o significado exato de Suas palavras na mente do centurião, ele deve ter pelo menos sentido que era uma testemunha de algo sobrenatural. Endossamos suas palavras e dizemos: “Verdadeiramente este Homem era o Filho de Deus”, no mais pleno sentido.
A verdade dessas palavras também foi testemunhada pelo véu do templo sendo rasgado. Este grande acontecimento parece ter ocorrido sincronizado com a Sua morte. Foi a mão divina que o rasgou, pois qualquer mão humana teria que rasgá-lo de baixo para cima. O elaborado sistema típico instituído em Israel, em conexão com os sacrifícios e o templo, todos aguardavam a morte de Cristo; e, sendo a morte consumada, a mão divina rasgou o véu como um sinal de que o dia da figura havia terminado, e o caminho para o Santo dos santos tornou-se manifesto.
Em todas as emergências, Deus tem em reserva algum servo que se manifestará e cumprirá Sua vontade. Pedras iriam clamar, ou seriam levantadas para se tornar homens se Deus precisasse deles em caso de emergência; mas isso nunca acontece pois Deus nunca está em emergência como essa. Ele sempre tem um homem na reserva e José era o homem nessa ocasião. Este tímido e secreto discípulo foi subitamente cheio de coragem e enfrentou Pilatos com ousadia. Ele era o homem nascido no mundo para cumprir, no momento oportuno, a palavra profética de Isaías 53:9 – “com o rico na Sua morte”. Tendo cumprido isso, ele sai completamente do relato.
Ele perdeu a oportunidade de ser identificado com Cristo em Sua vida, mas se identificou com Ele quando estava morto. Isso é notável, pois exatamente inverteu o procedimento dos discípulos. Eles se identificaram com Ele durante Sua vida e falharam miseravelmente quando Ele morreu. A aparente derrota de Jesus teve o efeito de encorajar José. Agitou as brasas fumegantes de sua fé em um repentino incêndio. Ele “esperava o reino de Deus”, e podemos ter certeza de que no dia do reino a fé e as obras de José não serão esquecidas por Deus. O tipo de sua fé é exatamente o que precisamos hoje – o tipo que desperta quando a derrota parece certa.
Consequentemente a ação de José teve o efeito de trazer diante de Pilatos o caráter sobrenatural da morte de Cristo. Nenhum homem poderia tirar Sua vida; Ele a entregou por Si mesmo, e no momento adequado, quando tudo foi cumprido. Os dois ladrões, como sabemos, permaneceram por horas após, e a morte deles teve que ser acelerada por meios cruéis. Pilatos ficou maravilhado, mas sendo o fato confirmado, ele concedeu o pedido. Assim, a vontade de Deus foi feita, e a partir daquele momento o corpo santo estava fora das mãos dos incrédulos. Mãos de amor e fé realizaram os serviços e O colocaram no sepulcro. As mulheres devotadas também foram testemunhas quando até mesmo os discípulos desapareceram e viram onde Ele havia sido colocado.



[1]  N. do T.: Pensamento ou argumento que contraria os princípios do pensamento humano.  É o oposto do que alguém pensa ser a verdade.

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