Após estas coisas, deixando as margens do
lago Ele entrou na terra onde passara os primeiros anos de Sua vida. Ensinando na
sinagoga, Suas palavras os admiravam. Eles profundamente reconheciam a sabedoria
de Seus ensinamentos e o poder de Seus atos, e ainda assim tudo isso não criava
convicção ou fé em seus corações. Eles conheciam a Ele e a Seus parentes
segundo a carne, e isto cegou seus olhos quanto a Quem Ele realmente era. Eles não
estavam O insultando em sua expressão de incredulidade, como os que estavam de luto
na casa de Jairo; entretanto, era um nível de descrença tão grande que Ele ficou
maravilhado com isso.
A visão que eles tinham de Jesus era justamente
a do unitarismo moderno. Eles estavam totalmente convencidos de Sua humanidade,
pois estavam muito bem familiarizados com Suas origens quanto à Sua carne. Eles
viram isso tão claramente que formos cegados para qualquer coisa além, e se escandalizavam
n’Ele. O unitarista vê Sua humanidade, mas nada além disso. Vemos Sua humanidade
não menos claramente do que os que seguem o unitarismo, mas, além disso, vemos Sua divindade.
Não nos incomoda que não possamos entender intelectualmente como ambas possam ser
encontradas n’Ele. Sabendo que nossas mentes são finitas, não esperamos explicar
aquilo em que o infinito entra. Se tentássemos entender e explicar, deveríamos saber
que o que assim entendêssemos não seria divino.
Como resultado dessa incredulidade, “não podia fazer ali coisas maravilhosas”,
a não ser curar alguns enfermos que, evidentemente, tinham fé n’Ele. Isso enfatiza
o que acabamos de ver em conexão com o versículo 43 de Marcos 5. Igualmente
como na presença de grosseira incredulidade, o Senhor reteve qualquer testemunho
a Si mesmo na presença de Seus incrédulos compatriotas; Ele não fez ali obras
poderosas.
Agora podemos nos sentir inclinados a pensar
que Sua ação deveria ter sido exatamente a oposta. Mas percebemos nas Escrituras
que quando incredulidade sobe à altura de zombaria, o testemunho cessa
– ver Jeremias 15:17; Atos 13:41, 17:32, 18:6. Também é evidente que, embora
“Jesus Nazareno” tenha sido “aprovado por Deus... com milagres, maravilhas
e sinais” (At 2:22), ainda assim, o objetivo principal não era convencer a incredulidade
obstinada, mas sim encorajar e confirmar a fé fraca. João 2:23-25 nos mostra que
quando Seus milagres produziram convicção intelectual em certos homens, Ele mesmo
não confiava na convicção assim produzida. Por isso, Ele não fez grandes obras na
cidade de Nazaré. Ele “não poderia fazer
ali”, pois estava limitado por considerações morais, e não físicas. Milagres
não eram adequados para a ocasião, de acordo com os caminhos de Deus, e Ele
era o Servo da Deus vontade.
O que era adequado era a prestação
fiel de um afetuoso testemunho; por isso “percorreu
as aldeias vizinhas, ensinando”. Uma grande manifestação de milagres poderia
ter produzido uma repulsa de sentimentos e convicções intelectuais, o que não valeria
a pena. O firme ensinamento da Palavra significava semear a semente, e haveria algum
fruto que valeria a pena, como já vimos.
Isso nos leva ao versículo 7 deste capítulo,
onde lemos sobre os doze sendo enviados em sua primeira missão. Seu período de treinamento
acabou. Eles tinham escutado Suas instruções, como em Marcos 4, e testemunharam
Seu poder, como mostrado no capítulo 5. Eles também tiveram essa ilustração impressionante
do lugar que os milagres deveriam ocupar, e do fato de que, embora houvesse momentos
em que eles poderiam ser inadequados, o ensino e a pregação da Palavra de Deus sempre
estavam no tempo adequado.
Genuínos milagres e sinais não estão em
evidência hoje; mas a Palavra de Deus permanece. Sejamos gratos pelo fato de a Palavra
estar sempre na estação apropriada e sejamos diligentes em plantá-la.
O envio dos doze foi a inauguração de uma
extensão do ministério e serviço do Senhor. Até então, todos haviam estado em Suas
próprias mãos, com os discípulos como espectadores; agora eles devem agir em Seu
nome. Ele era absolutamente suficiente em Si mesmo: eles não são suficientes, e
então devem sair de dois em dois. Existe ajuda e coragem na companhia, pois onde
um é fraco, o outro pode ser forte, e aqu’Ele que os enviou sabia exatamente como
pareá-los juntos. O companheirismo é especialmente útil quando o trabalho pioneiro
está sendo feito; e assim nos Atos vemos Paulo agindo sob esta instrução do Senhor.
O serviço é uma questão individual, é verdade, mas até hoje fazemos bem em estimar
corretamente a comunhão no serviço: “somos
cooperadores de Deus” (1 Co 3:9).
Antes de saírem, receberam poder ou autoridade
que lhes foi dada sobre todo o poder de Satanás. Eles também receberam instruções
para se desfazer até mesmo das necessidades ordinárias, levadas pelo viajante daqueles
dias. Além disso, eles receberam sua mensagem. Como seu Mestre havia pregado o arrependimento
em vista do reino (cap. 1:15), eles também deveriam pregá-lo.
Aqueles que servem hoje não possuem sua
comissão vinda de Cristo na Terra, mas de Cristo no céu; e isso introduz certas
modificações. Nossa mensagem centra-se na morte, ressurreição e glória de Cristo,
ao passo que a deles, na própria natureza das coisas, não poderia ser assim. Eles
descartaram as necessidades da viagem, na medida em que representavam o Messias
na Terra, que não tinha nada, mas que era bem capaz de sustentá-los. Somos seguidores
de um Cristo que Se elevou, e Seu poder é geralmente exercido para libertar Seus
servos da dependência de ornamentos de natureza espiritual, e não daqueles de natureza
material. Contudo, podemos certamente ter grande consolo com o pensamento de que
Ele não envia Seus servos adiante sem lhes dar poder para o serviço diante deles.
Se nosso serviço for para expulsar demônios, Ele nos dará poder para fazê-lo; E
se o nosso serviço não é isso, mas alguma outra coisa, então teremos o poder para
essa outra coisa.
Eles – e nós também – deviam ser marcados
pela maior simplicidade: não andar de casa em casa em busca de algo melhor. Eles
O representaram. Ele agiu por procuração por meio deles; e, portanto, recusá-los
era recusar-Lhe. Sua fala no versículo 11, quanto a Sodoma e Gomorra, é semelhante
ao que Ele disse sobre Si mesmo em Mateus 11:21-24. Aqueles que O servem hoje não
são apóstolos, mas ainda que em menor grau a mesma coisa, sem dúvida, é válida.
A mensagem de Deus não é menos Sua mensagem porque vem por meio de lábios débeis.
Seu serviço, seja na pregação, expulsando
demônios ou na cura, foi tão eficaz que Seu Nome – não o deles – foi espalhado
amplamente, e até mesmo Herodes ouviu Sua fama. Este miserável rei tinha uma consciência
tão má que ele assumiu imediatamente que João Batista, sua vítima, tinha ressuscitado.
Outros consideravam que Cristo era Elias, ou um dos antigos profetas. Ninguém sabia,
pois ninguém pensava em Deus como capaz de fazer alguma coisa nova.
Neste ponto, Marcos desvia um pouco o
assunto para nos contar, nos versículos 17 a 28, como João foi morto a mando de
uma mulher vingativa. Sendo o homem mau que era, Herodes possuía uma consciência
que lhe falou, e vemos a astuta maestria pela qual o diabo o capturou. A armadilha
foi colocada por meio de uma jovem de rosto e formas belos, uma mulher mais velha
atraente e vingativa e uma tola vaidade que fez o infeliz rei pensar muito mais
em seu juramento do que na lei de Deus. Assim, o homem vaidoso e lascivo foi manobrado
ao ato do homicídio, com a condenação final sobre si mesmo. Sua consciência inquieta
só provocou medos supersticiosos.
No versículo 29, Marcos simplesmente registra
que os discípulos de João fizeram o enterro do seu corpo mutilado. Ele não acrescenta,
como Mateus, que eles “foram anunciá-lo a
Jesus” (Mt 14:12). Ele passa a registrar o retorno dos discípulos de suas jornadas,
dizendo ao seu Mestre tudo o que eles haviam feito e ensinado. Foi então que o Senhor
os retirou para um lugar deserto, para além da multidão e do serviço ativo, para
poderem passar um tempo quieto em Sua presença. É instrutivo notar que a passagem
em Mateus torna quase certo que os discípulos angustiados de João também chegaram
exatamente naquele momento.
Nunca nos esqueçamos de que um período de
descanso na presença do Senhor, fora da vista dos homens, é necessário após um período
de serviço intenso. Os discípulos de João vieram do seu triste serviço com um coração
pesado e angustiado. Os doze vieram de encontros triunfantes com o poder de demônios
e doenças, provavelmente entusiasmados pelo sucesso. Ambos precisavam da quietude
da presença do Senhor, que serve igualmente para levantar o coração abatido e controlar
a indevida exaltação do espírito.
No entanto, o período de descanso foi curto,
pois as pessoas buscavam por Ele às multidões, e Ele não as dispensaria. O coração
do grande Servo aparece mais admiravelmente no versículo 34, onde nos é dito que
Ele “teve compaixão deles”. A visão deles,
“como ovelhas que não têm pastor”, apenas
produziu compaixão n’Ele, não – como muitas vezes acontece conosco, infelizmente!
– sentimentos de aborrecimento ou desprezo. Ele foi movido pela compaixão
que sentiu; essa é a maravilha disso.
Sua compaixão O levou em duas direções.
Primeira, a ministrar-lhes as coisas espirituais. Segunda, a ministrar-lhes as coisas
carnais. Observe a ordem: o espiritual veio primeiro. Ele “começou a ensinar-lhes muitas coisas”, embora o que Ele disse não esteja
registrado; então, quando a noite chegou, Ele aliviou a fome deles. Vamos aprender
com isso como agir. Se os homens têm necessidades corporais, é bom que atendamos
a eles de acordo com nossa capacidade; mas vamos sempre manter a Palavra de Deus
em primeiro lugar. As necessidades do corpo nunca devem prevalecer sobre as necessidades
da alma, em nosso serviço.
Ao alimentar os cinco mil, o Senhor primeiramente
testou Seus discípulos. Quanto eles haviam absorvido em relação à Sua suficiência?
Muito pouco aparentemente, pois em resposta à Sua palavra: “Dai-lhes vós de comer”, eles só pensam em recursos humanos e
em dinheiro. Ora, nenhum dos recursos humanos de qualquer tipo que estavam presentes
foi ignorado. Eles eram muito insignificantes, mas foram tomados por Jesus, pois
neles Seu poder poderia ser manifestado. Ele poderia ter transformado pedras em
pão ou até produzido pão do nada; mas a Sua maneira foi utilizar os cinco pães e
dois peixes.
Seu trabalho foi realizado exatamente desta
maneira ao longo da presente época. Seus servos possuem certas pequenas coisas,
que Ele tem o prazer de usar. E mais, Ele dispensou Sua generosidade de uma maneira
ordenada, as pessoas sentadas em grupos de cem em cem e de cinquenta em
cinquenta, e Ele empregou Seus discípulos no trabalho. Os pés e mãos que transportavam
a comida para as pessoas eram os deles. Hoje os pés e as mãos de Seus servos são
usados, suas mentes e lábios são colocados à Sua disposição, para que o pão da vida
alcance os necessitados. Mas o poder que produz resultados é totalmente d’Ele.
A própria fraqueza dos meios usados torna isso manifesto.
Como Servo perfeito, Ele teve o cuidado
de conectar tudo o que fez com o céu. Antes do milagre, Ele olhou para o céu e deu
graças (TB). Desse modo, os pensamentos da multidão foram dirigidos a Deus como
a Fonte de tudo, e não a Si mesmo, o Servo de Deus na Terra. Uma palavra para nós
mesmos, contendo um princípio semelhante, é encontrada em 1 Pedro 4:11. O servo
que ministra alimento espiritual deve fazê-lo a partir de Deus, para que Deus seja
glorificado nisso e não o servo.
Também podemos extrair encorajamento do
fato de que, quando a grande multidão era alimentada, muito mais havia sobrado do
que o pouco com o qual eles haviam começado. Os recursos divinos são inesgotáveis,
e o servo que confia em seu Mestre nunca ficará sem suprimentos. A este respeito,
há uma semelhança muito feliz entre os pães e os peixes colocados nas mãos dos discípulos
e a Bíblia colocada nas mãos dos discípulos hoje.
Havendo finalizado a alimentação da multidão,
o Senhor logo enviou os Seus discípulos para o outro lado do lago e Se entregou
à oração. Ele não só conectou tudo com o céu pela ação de graças na presença do
povo, mas sempre manteve o contato para Si mesmo como o Servo da vontade Divina.
Em João 6, aprendemos que neste ponto o povo estava entusiasmado e faria d’Ele um
rei à força. Os discípulos poderiam ter sido apanhados por isso, mas Ele não foi.
A travessia do lago forneceu aos discípulos
uma nova demonstração de Quem era o Seu Mestre. O vento contrário impedia o progresso
deles, e, com dificuldade, avançaram devagar. Ele novamente Se mostrou supremamente
acima do vento e das ondas, andando sobre a água e capaz de passar por eles. Sua
palavra acalmou seus medos e Sua presença em seu barco acabou com a tempestade.
Apesar de tudo isso, o real significado disso lhes escapou. Seus corações ainda
não estavam prontos para aceitá-Lo. No entanto, as pessoas no geral aprenderam a
reconhecer o Senhor e Seu poder. Abundância de necessidade foi apresentada a Ele,
e Ele a respondeu com abundância de graça.