A convicção, quanto ao “Quem” o Senhor Jesus é, uma vez tendo sido
alcançada pela fé, traz consigo a certeza de que Ele deve atender todas as emergências
de igual modo. Contudo, mesmo assim, é bom que o discípulo realmente O veja lidando
com os homens e com os problemas que lhes sobrevieram em razão do pecado, em Sua
libertadora misericórdia. Neste capítulo, vemos o Senhor demonstrando Seu poder
e, assim, instruindo ainda mais os discípulos. Que a instrução pode ser nossa também
à medida que avançamos no relato.
Ao cruzar o lago, o poder de Satanás esteve
em ação oculto atrás da fúria da tempestade: ao chegar ao outro lado, tornou-se
muito manifesto no homem com um espírito impuro. Derrotado em seus trabalhos mais
secretos, o adversário agora lança um desafio aberto sem perda de tempo, pois o
homem O encontrou imediatamente quando Ele desembarcou. Foi uma espécie de teste.
O diabo transformara o pobre homem em uma fortaleza que ele esperava manter a todo
custo; e na fortaleza ele havia lançado toda uma legião de demônios. Se alguma vez
um homem foi mantido em cativeiro sem esperança sob os poderes das trevas, esse
era o homem. Em sua história, vemos espelhada a profundeza em que a humanidade afundou
sob o poder de Satanás.
Ele “tinha sua morada nos sepulcros” e os homens de hoje vivem em um mundo
que está se tornando cada vez mais um vasto cemitério enquanto geração após geração
passa à morte. Então, “nem ainda com
cadeias o podia alguém prender”, pois grilhões e correntes tinham sido frequentemente
tentados sem nenhum resultado. Ele estava além da detenção. Portanto, hoje não faltam
movimentos e métodos destinados a coibir as más propensões dos homens, a restringir
suas ações mais violentas e reduzir o mundo ao prazer e à ordem. Mas tudo é em vão.
Então, com o endemoninhado, outra coisa
foi tentada. Poderia sua natureza ser mudada? Afirma-se, no entanto, que “ninguém o podia amansar”; então essa pergunta
foi respondida de forma negativa. Assim tem sido sempre: não há mais poder nos homens
para mudar suas naturezas do que há para coibi-las e reprimi-las,
para que elas não ajam. “a inclinação da
carne ... não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (Rm 8:7),
por isso não pode ser contida. Novamente, “o
que é nascido da carne é carne” (Jo 3:6), não importa quais tentativas possam
ser feitas para melhorá-la. Por isso, não pode ser alterada ou modificada.
“Sempre, de dia e de noite, clamando pelos montes, e pelos sepulcros” – totalmente inquieto – “clamando” – completamente infeliz – “ferindo-se com pedras” – prejudicando-se
em sua loucura. Que cena!
E devemos acrescentar que cena característica
do homem sob o poder de Satanás! Este foi um caso excepcional, é verdade. O
domínio de Satanás sobre a maioria é de um tipo menos violento e os sintomas são
muito menos pronunciados; porém ainda estão lá. O clamor da humanidade pode ser
ouvido, pois os homens se prejudicam por seus pecados.
Quando o homem falou, as palavras foram
proferidas por seus lábios, mas a inteligência por trás delas era a dos demônios
que o controlavam. Eles sabiam que tipo de homem o Senhor era, mesmo que
outros não o soubessem. Por outro lado, eles não conheciam a maneira de Seu
serviço. Haverá, verdadeiramente um momento quando o Senhor entregará esses demônios
junto com Satanás, seu mestre, ao tormento, mas essa não era Sua obra naquele momento.
Muito menos era a maneira de Seu serviço naquele tempo em relação aos homens. Para
o endemoninhado Jesus veio trazendo, não tormento, mas livramento.
O Senhor mandou que os demônios saíssem
e eles sabiam que não podiam resistir. Eles estavam na presença da Onipotência,
e eles devem fazer o que lhes foi dito. Eles tinham até que pedir permissão para
entrar nos porcos que estavam se alimentando não muito longe. Os porcos, sendo animais
imundos de acordo com a lei, não deviam estar lá. Sendo os demônios imundos também,
havia uma afinidade entre eles e os porcos, uma afinidade com resultados fatais
para os animais. Os demônios haviam levado o homem à autodestruição, usando as pedras
afiadas; com os porcos, o impulso foi imediato e completo. O homem foi libertado;
os porcos foram destruídos.
O resultado, em relação ao próprio homem,
foi de gozo. Suas inquietas peregrinações haviam terminado, porque ele estava “assentado”. Anteriormente ele “não andava vestido”, como Lucas nos diz
(Lc 8:27), agora ele está “vestido”.
Suas delusões cessaram, pois ele está “em
perfeito juízo”. A aplicação do evangelho em tudo isso é muito evidente.
O resultado, no que diz respeito às pessoas
dessas partes, foi muito trágico. Eles manifestaram um pensamento que era tudo menos
correto, embora nenhum demônio tivesse entrado neles. Eles não tinham entendimento
ou apreciação por Cristo. Por outro lado, eles apreciavam e entendiam os porcos.
Se a presença de Jesus significasse ausência de porcos, mesmo que também significasse
ausência de um furioso endemoninhado, então eles prefeririam não tê-la. Eles começaram
a rogar-Lhe para que Ele partisse de seus territórios.
O Senhor concedeu o desejo deles e partiu.
A tragédia disso foi muito grande, embora eles não tenham percebido isso naquele
momento. Ela foi sucedida por uma ainda maior tragédia: a do Filho de Deus sendo
expulso deste mundo; e agora temos dezenove séculos[1]
cheios de todo tipo de mal como resultado disso. A partida do Senhor criou uma nova
situação para o homem que acabou de ser libertado dos demônios. Ele naturalmente
desejou a presença de seu Libertador, mas foi instruído que, no momento, ele deveria
se contentar em permanecer no lugar de Sua ausência e ali testemunhar para Ele,
particularmente para seus próprios amigos.
Nossa posição hoje é muito parecida. No
presente momento, gostaríamos de estar com Ele, mas agora nossa porção é testemunhar
d’Ele no lugar onde Ele não está. Também podemos dizer aos nossos amigos que grandes
coisas o Senhor tem feito por nós.
Tendo atravessado novamente o lago, o Senhor
foi imediatamente confrontado com outros casos de necessidade humana. Em Seu caminho
para a casa de Jairo, onde estava sua filha perto da morte, Ele foi interceptado
pela mulher com um fluxo de sangue. Ela tinha estado doente por doze anos e totalmente
além de toda a habilidade dos médicos. O caso dela era sem esperança, tanto quanto
o caso do endemoninhado. Ele estava em um desamparado cativeiro por uma grande multidão
de demônios, e ela também, por uma doença incurável.
Novamente, podemos ver uma analogia com
o estado espiritual da humanidade e, particularmente, com os esforços de uma alma
despertada, conforme descrito em Romanos 7. Há muitas lutas e esforços muito severos,
mas “sem nada aproveitar, antes ficando
cada vez pior” (v. 26 – TB). Este era o resultado do caso delineado ali, até
que a alma chegue ao fim de suas buscas, tendo “gastado tudo” (TB), e tenha “ouvido
falar a respeito de Jesus” (TB). Então, terminando todos os esforços de aperfeiçoamento
próprio e vindo a Jesus, Ele Se mostra ser o grande Libertador.
No caso do homem, dificilmente podemos falar
de fé, pois ele foi completamente dominado pelos demônios. No caso da mulher, só
podemos falar de uma fé imperfeita. Ela estava confiante em Seu poder, um poder
tão grande que até mesmo Suas roupas poderiam transmitir-lhe esse poder; mas ainda
duvidava de Sua acessibilidade. As aglomerações de multidões a impediram, e ela
não percebeu quão completamente Ele – o Servo perfeito – estava à disposição de
todos os que precisavam d’Ele. No entanto, a cura que ela precisava era dela
mesma, apesar de tudo. O acesso de que ela precisava foi possível, e a bênção foi
trazida a ela. Satisfeita com a bênção, ela teria se retirado ocultamente.
Mas isso não era para ser assim. Ela também
deveria dar testemunho daquilo que Seu poder havia operado, e por meio disso ela
receberia uma bênção adicional para si mesma. Os tratamentos do Senhor com ela estão
cheios de instrução espiritual.
O perfeito conhecimento de Jesus vem à luz.
Ele sabia que a virtude tinha saído de Si e que o toque havia sido em Suas roupas.
Ele fez a pergunta, mas Ele sabia a resposta; pois olhou em volta para ver “quem” tinha feito isso.
Sua pergunta também trouxe à luz o fato
de que muitos O haviam tocado de várias maneiras, mas nenhum outro toque tirou qualquer
virtude d’Ele. Por que isso? Porque, de todos os toques, o dela era o único que
surgiu de uma consciência de necessidade e fé. Quando essas duas coisas estão presentes,
o toque é sempre eficaz.
Muitos de nós seríamos como a mulher e desejaríamos
obter a bênção sem qualquer reconhecimento público do Abençoador. Isso não deve
ser assim. É devido a Ele que confessemos a verdade e tornemos conhecida Sua graça
salvadora. Virtude saiu diretamente d’Ele para nossa libertação, e o tempo de prestar
testemunho chegou para nós. Assim como o homem deveria ir para casa, para seus amigos,
a mulher teve que se prostrar aos Seus pés em público. Ambos deram testemunho d’Ele;
e, note-se, isso foi no sentido oposto ao que poderíamos esperar. A maioria dos
homens acharia o testemunho em casa o mais difícil: a maioria das mulheres acharia
o testemunho em público o mais difícil. Mas o homem tinha que falar em casa e a
mulher na presença da multidão. Ela falou, porém, não para a multidão, mas para Ele.
Como fruto de sua confissão, a própria mulher
recebeu mais uma bênção. Ela obteve a certeza definitiva de Sua palavra, que sua
cura foi inteira e completa. Poucos minutos antes, ela “sentiu no seu corpo estar já
curada” e confessou que “sabia o que lhe havia acontecido”. Isso foi
muito bom, mas não foi o suficiente. Se o Senhor permitisse que ela fosse embora
simplesmente com esses “sentimentos” agradáveis
e esse “conhecimento” do que havia sido
“feito a ela”, estaria aberta a muitas
dúvidas e temores nos dias que viriam. Cada pequeno sentimento de indisposição aumentaria
a ansiedade quanto ao fato de sua antiga doença voltar a ocorrer. Assim, ela recebeu
a Sua palavra definitiva: “Sê
curada desse teu mal”. Isso resolvido. Sua palavra era muito mais confiável
do que seus sentimentos.
Então, isso é conosco. Algo foi realmente
feito em nós pelo Espírito de Deus na conversão, e sabemos disso, e nossos sentimentos
podem ser felizes: ainda assim, não há qualquer base sólida sobre a qual a
certeza possa descansar em sentimentos, ou no que tem sido feito em nós.
A base sólida para a certeza é achada na Palavra do Senhor. Hoje em dia,
não poucos têm falta de segurança apenas porque cometeram o erro que a mulher estava
prestes a cometer. Eles nunca confessaram propriamente a Cristo e nem reconheceram
sua dívida para com Ele. Se eles corrigirem esse erro como a mulher fez, eles terão
a certeza da Sua Palavra.
No exato momento da libertação da mulher,
o caso da filha de Jairo assumiu um tom mais sombrio. Notícias de sua morte chegaram,
e aqueles que enviaram a mensagem presumiram que, embora a doença pudesse desaparecer
diante do poder de Jesus, a morte estava fora de Seu domínio. Temos visto Ele triunfar
sobre demônios e doenças, mesmo quando as vítimas estavam além de toda ajuda humana.
A morte é a coisa mais sem esperança de todas. Pode Ele triunfar sobre isso? Ele
pode e o fez.
A maneira que Ele sustentou a fé vacilante
do principal da sinagoga é muito bonita. Jairo estava bastante confiante quanto
à Sua capacidade de curar; mas agora, e a morte? Esse foi o grande teste à sua fé,
como também do poder de Jesus. “Não temas,
crê somente”, era a palavra. A fé em Cristo irá remover o medo da morte para
nós, bem como para ele.
A morte era apenas um sono para Jesus, mas
os pranteadores profissionais zombavam d’Ele em sua incredulidade. Então, Ele os
removeu e, na presença dos pais e dos discípulos que estavam com Ele, restaurou
a menina à vida. Assim, pela terceira vez neste capítulo, a libertação é trazida
àquele que está além de toda a esperança humana.
Mas o início do versículo 43 está em nítido
contraste com os versículos 19 e 33. Desta vez não deveria haver qualquer
testemunho disso; Isso se deve, supomos, pela incredulidade desdenhosa que acabara
de se manifestar. Ao mesmo tempo, havia a mais cuidadosa consideração quanto às
necessidades da menina com relação à alimentação, assim como havia sido para a necessidade
espiritual de Jairo um pouco antes. Ele pensou tanto em seu corpo quanto
em sua fé.
[1] N. do T.: O autor – Frank Binford Hole – viveu entre 1874 e 1964.